PROBLEMAS A SER RESOLVIDOS EM PAISES

Apenas estamos estreando o milênio e já é possível colecionar algumas das denominadas crises econômicas mundiais. A mais recente no final de 2007 e inicio de 2008, uma derivação arrastada de uma crise que foi iniciada no começo de 2007, e que teve como gatilho a insolvência parcial do setor de crédito imobiliário americano. Esta crise, embora tenha trazido (e esteja trazendo) prejuízos aos investidores no Brasil e no mundo, ainda não tem o porte de uma grande crise mundial, embora apresente alguns ingredientes típicos desta.

O exemplo clássico de grande crise mundial é caracterizado pela famosa “sexta-feira negra” ocorrida na Bolsa de Nova York, em 29 de outubro de 1929. O “crack” (quebra) da Bolsa de NY é considerado o estopim de uma crise mundial originada nos estados Unidos, e que foi seguida por uma diminuição do nível da atividade econômica conhecida como a Grande Depressão, tida como a mais grave depressão da história do capitalismo. Entretanto, uma pessoa que tivesse 25 anos no tempo da crise de 1929, estaria hoje com mais de cem anos. Assim, não existem investidores com memória dessa catástrofe. O que se sabe por relatos, livros e artigos não substitui a experiência pessoal. Ter vivido a crise é totalmente diferente do que ler um romance sobre ela. Mais ou menos como a diferença entre assistir um filme sobre um assassino em série e ser vítima dele na vida real.

Estas considerações permitem refletir sobre duas questões básicas sobre o tema. Primeira: são os mercados que provocam as crises ou são as crises que afetam os mercados? Colocado de outra maneira, trata-se de determinar se é possível que uma queda acentuada nos mercados venha a gerar uma crise econômica, ou se é exatamente o contrário, a queda nos mercados é que seria uma reação à crise econômica.

Para quem pensa que esta questão é mais uma do tipo da do ovo e da galinha, uma boa notícia. A causa é o mau desempenho da economia. A conseqüência é a acomodação dos mercados, que tratam de ajustar seus valores, representados pelos preços dos bens, a patamares mais baixos, provocando perdas patrimoniais nos investidores que guardam posições nestes bens. No caso da crise de 1929, por exemplo, a quebra da bolsa ocorreu já como uma conseqüência de uma economia cambaleante na qual, para que se tenha uma idéia, um quarto da população economicamente ativa dos Estados Unidos estava desempregado. O colapso do mercado ocorreu então em meio a uma crise de fundamentos da economia. Obviamente, a crise nos mercados, que traduz a falta de confiança dos agentes econômicos na manutenção das regras econômicas vigentes, deve ter contribuído para acelerar e acentuar a depressão econômica à frente, mas não constitui - como apressadamente se coloca às vezes - a sua causa. Em termos simples, e usando uma analogia, os mercados seriam a “temperatura” do paciente, de forma que colapso nos mercados seria a sua “febre” e, portanto, um sintoma, A doença ou não do paciente está relacionada com os fundamentos econômicos.

Assim, é possível inferir que, atualmente, algo vai mal na economia dos Estados Unidos. O problema é diagnosticar o que vai mal (qual a doença) e qual a sua gravidade. Uma equipe de “médicos” está tratando do caso e, a cada boletim sobre o estado do paciente o mercado toma posição, ora animado com o restabelecimento deste, ora preocupado com o aprofundamento da sua doença. Em termos econômicos, isto é o que provoca a volatilidade do mercado. Nada mais do que a incerteza sobre o estado do paciente.

Para quem imaginou a primeira questão muito filosófica e sem interesse prático, vai a segunda indagação: as crises são previsíveis?

Para que seja efetuada uma previsão no tempo, ou no domínio das freqüências, é necessário detectar o que se denomina de regularidades. A rigor, a previsão de séries temporais busca exatamente padrões de repetição espaçados em intervalos mais ou menos iguais, ou regularidades, para poder interpolar e extrapolar dados. Em estudos temporais, interpolar dados seria determinar o valor de uma variável, como por exemplo, um indicador da atividade econômica (PIB, crescimento da produção industrial, crescimento da demanda de bens duráveis, etc.) em um período de tempo passado para o qual não exista medida. Um exemplo disto seria, supondo que se têm apenas medidas mensais do PIB, avaliar o valor deste no meio de um mês. Os estudos que empregam interpolação estão preocupados em compreender o funcionamento dos modelos econômicos que descrevem a realidade e em verificar se estão ajustados ou não.

Este tipo de análise interessa aos teóricos, mas, certamente, não é o tipo de previsão que interessa aos investidores e pessoas normais, ávidas por resultados práticos que possam ser aplicados à “realidade”. Neste caso, interessa saber se é possível extrapolar dados, isto é, determinar como os dados irão se comportar (futuro) a partir da sua trajetória conhecida (passado). O sucesso deste tipo de futurologia depende do tipo de previsão que se queira fazer. Em alguns casos, realmente é possível entender razoavelmente o funcionamento de um sistema e então ter uma boa estimativa do seu estado futuro. Sistemas econômicos, entretanto, são sistemas complexos, nos quais os métodos disponíveis para efetuar previsões apresentam sucesso parcial. Principalmente, quando a variável que explica o comportamento das demais é o tempo. Em termos simples, em um sistema físico, da para prever com perfeição a duração do dia de amanha. Em um sistema econômico, dá apenas para se ter uma idéia de qual será a demanda de minério de ferro no dia de amanha.

Em termos de regularidades no tempo, a teoria econômica apresenta uma proposta denominada de teoria dos ciclos econômicos. Segundo esta teoria, a sucessão de estados de crescimento, estagnação e queda da economia até um novo período de crescimento, constitui um ciclo econômico. Um gráfico com uma sucessão de ciclos econômicos se assemelha a uma senóide (função seno). A duração dos ciclos econômicos, que poderia servir para se ter idéia do estado em que a economia de um país se encontra, é variável. Existem três tipos de ciclos. Os denominados de ondas longas são chamados de ciclos de Kondratiev (economista russo), cuja duração estaria em torno de 50 a 60 anos. Os ciclos de Julgar (economista francês) teriam uma duração de nove anos, de forma que um ciclo de Kondratiev comporta aproximadamente seis ciclos de Julgar. Os ciclos de Khintchin (matemático russo) duram 3 anos, assim, durante uma onda longa (Kondratiev) temos 18 períodos curtos de crescimento e retração da economia. Naturalmente, a intensidade dos movimentos provocados por estes ciclos não é a mesma. Os mais longos apresentam maior intensidade. Assim, a trajetória temporal da economia seria uma soma de senóides com três tipos de amplitude, cada uma correspondendo a um tipo de ciclo.

O fundamento teórico descrito, embora bem fundamentado, apresenta dificuldades em ser ajustado ao mundo real. A coincidência entre o que deveria ocorrer e o que realmente ocorre sugere que, no mínimo, outros elementos devem ser acrescentados a análise para se determinar quando realmente existe maior probabilidade de que um período de crescimento, recessão ou depressão venha a ocorrer. Determinar colapsos nos mercados seria ainda mais difícil. O comportamento dos resultados diários dos mercados sugere uma análise mais para a Teoria do Caos (teoria matemática derivada do estudo de sistemas dinâmicos). Por princípio, os resultados futuros de um sistema caótico não podem ser previstos, pois qualquer alteração na rota, por mínima que seja, pode levar a mudanças extremas no estado futuro.

Assim, tentar prever uma grande crise mundial é como tentar adivinhar quando um vulcão vai entrar em erupção. Sabe-se que um dia isto irá ocorrer, mas não quando. Alguém argumentaria: bem, se eu sei que algo ruim vai ocorrer, então é melhor eu me prevenir. Esta lógica parece irrefutável, mas no domínio da ciência as coisas não são tão simples. O que você diria se lhe dissessem que a ciência já comprovou que a Via Láctea, que é o conjunto de estrelas onde está situado nosso sistema solar (e, portanto, a sua casa) irá se chocar com uma nuvem de gás quase do mesmo tamanho, extinguindo a vida na terra? Bem, você não tem como se prevenir, pois não há para onde ir. Mas antes de pensar em fazer alguma bobagem, é melhor explicar que isto irá ocorrer daqui a aproximadamente 20 milhões de anos. Isto é, nem sempre a informação sobre o futuro nos permite reagir de modo a evitar os prejuízos de um acontecimento adverso. Decepcionante? Nem tanto, é possível pelo menos aprender a nos comportar diante do futuro.